terça-feira, 26 de junho de 2012

RESUMO DO INFORMATIVO 670 DO STF


PLENÁRIO

FGTS e contribuição social

Tributário – contribuições sociais

ADI 2556/DF, rel. Min. Joaquim Barbosa, 13.6.2012 e ADI 2568/DF, rel. Min. Joaquim Barbosa, 13.6.2012: O Plenário, por maioria, julgou parcialmente procedente pedido formulado em ações diretas de inconstitucionalidade ajuizadas, pelo Partido Social Liberal - PSL e pela Confederação Nacional da Indústria - CNI, contra os artigos 1º; 2º; 3º; 4º, I e II; 6º, § 7º; 12; 13 e 14, caput, I e II, da Lei Complementar 110/2001, tão-somente para declarar a inconstitucionalidade do art. 14, caput, I e II, da norma questionada, no que se refere à expressão “produzindo efeitos”.

O julgamento foi por maioria e contém os seguintes posicionamentos do Plenário do STF: 1) não é cabível, após a conclusão dos autos, apresentar novos argumentos relativos à (in)constitucionalidade da norma (por preclusão); 2) a espécie tributária “contribuição” ocupa lugar de destaque no sistema constitucional tributário e na formação de políticas públicas, além de caracterizar-se pela previsão de destinação específica do produto arrecadado com a tributação; 3) as contribuições escapariam à força atrativa do pacto federativo, pois a União estaria desobrigada a partilhar o dinheiro recebido com os demais entes federados; 4) a especificação parcimoniosa do destino da arrecadação, antes da efetiva coleta, é importante ferramenta técnica e de planejamento para garantir autonomia a setores da atividade pública; 5) o uso compartilhado de base de cálculo própria de imposto pelas contribuições não se constitui bitributação; 6) a tributação somente se legitima pela adesão popular e democrática, cujo expoente seria a regra da legalidade; 7) a existência das contribuições com todas as suas vantagens e condicionantes deve preservar sua destinação e finalidade; 8) as restrições previstas nos artigos 157, II, e 167, IV, da CF, são aplicáveis apenas aos impostos; 9) não há ofensa ao art.194 e seguintes da CF, uma vez que o produto arrecadado não é vinculado a qualquer dos programas ou iniciativa de seguridade social; 10) não há vulneração ao art.10, I, do ADCT, em face de a exação, em análise, não se confundir com a contribuição devida ao FGTS, tendo em conta a diferente finalidade do produto arrecadado; 11) não há violação da capacidade contributiva (CF, art. 145, § 1º), uma vez que o perfil da contribuição em questão não se remeteria às características de ordem pessoal do contribuinte ou dos demais critérios da regra matriz, mas tomaria por hipótese de incidência a circunstância objetiva da demissão sem justa causa do trabalhador.

Vencido o Min. Marco Aurélio, que assentava a procedência do pedido. Reputava que teriam sido criadas contribuições com o objetivo não contemplado na Constituição, qual seja, reforçar o caixa e a responsabilidade do Tesouro Nacional. Asseverava que os valores arrecadados não colimariam beneficiar os empregados, porém cumprir o que o STF reconhecera como direito dos trabalhadores em geral: a reposição do poder aquisitivo dos saldos das contas do FGTS, a prescindir de normatividade.

CNJ: PAD e punição de magistrado

Constitucional – Poder Judiciário – Conselho Nacional de Justiça

MS 28102/DF, rel. Min. Joaquim Barbosa, 14.6.2012: o Plenário, por maioria, denegou mandado de segurança impetrado por juíza de direito contra decisão proferida pelo CNJ, que instaurara Processo Administrativo Disciplinar - PAD contra ela, a despeito de a Corte local, à qual vinculada, haver determinado a não instauração de procedimento. Resumo do posicionamento: 1) preliminarmente, não é necessário que as sessões do CNJ sejam necessariamente presididas por Ministro do STF, devendo o art. 103-B, § 1º, da CF ser interpretado de forma a permitir a substituição do Presidente do CNJ, em eventual ausência, por outro membro do mesmo Conselho; 2) o Min. Luiz Fux consignou decisão da Corte na qual se deliberara não haver nulidade quando sessão do CNJ fosse presidida pelo Corregedor-Geral de Justiça, desde que a assentada tivesse sido realizada antes da vigência da EC 61/2009, ou seja, anteriormente a 12.11.2009, como no caso dos presentes autos. Vencidos os Ministros Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio, que acolhiam a preliminar. O Min. Marco Aurélio observava que a EC 61/2009 teria apenas explicitado o que já contido na ordem jurídica, ou seja, a substituição do Presidente do CNJ pelo Vice-Presidente do STF. O Min. Ricardo Lewandowski ressalvava que, por motivos de segurança jurídica, dever-se-ia preservar as decisões tomadas no passado.

Posicionamentos quanto ao mérito: 1) a instauração de PAD no âmbito das corregedorias locais não é pressuposto necessário, pelo CNJ, do exercício da competência para rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano, pois a decisão negativa de instauração de PAD pelos tribunais teria eficácia bloqueadora de qualquer iniciativa do CNJ; 2) a autorização para instauração do PAD pelo CNJ deriva da própria Constituição, sendo irrelevante estar ou não prevista no Regimento Interno do CNJ, que deve se limitar a regulamentar a estrutura administrativa e o trâmite interno necessário ao exercício das atribuições outorgadas pela Constituição.

CNJ: PAD e punição de magistrado

Constitucional – Poder Judiciário – Conselho Nacional de Justiça

MS 28816/DF, rel. orig. Min. Joaquim Barbosa, red. p/ o acórdão Min. Marco Aurélio, 14.6.2012: Ato contínuo, o Plenário, por maioria, concedeu parcialmente mandado de segurança, impetrado pela mesma magistrada referente ao MS 28102/DF, para cassar decisão do CNJ, proferida no PAD tratado no caso anterior, que lhe impusera aposentadoria compulsória. Determinou-se que outra decisão fosse prolatada, afastada a reprimenda imposta e a possibilidade de vir a ser novamente implementada. Posicionamento adotado, por maioria: 1) não há imunidade absoluta aos titulares do ofício jurisdicional. Os juízes, como agentes públicos, respondem por violações a que dessem causa, na medida da culpa caracterizadora das respectivas condutas; 2) no caso específico, o CNJ partiu de presunção sem amparo no acervo instrutório inicial e, segundo o Plenário do STF, não poderia ter presumido ser possível à impetrante tomar atitudes próprias do Executivo; 3) o CNJ excedeu sua competência administrativa, ao realizar juízo de valor e de validade sobre ato jurisdicional; 4) a decisão judicial a estabelecer local específico para acautelamento de preso provisório somente poderia ser revista pelo órgão jurisdicional competente, tendo o CNJ, neste ponto, invadido campo de competência reservado com exclusividade às autoridades judiciárias; 5) o CNJ não poderia aplicar, de igual modo, a pena de aposentadoria compulsória, que seria desproporcional, mas deveria impor outra reprimenda, de menor gravidade.

 
Vencidos os Ministros Joaquim Barbosa, relator, Cármen Lúcia e Dias Toffoli. O relator, acompanhado pela Min. Cármen Lúcia, cassava apenas o primeiro fundamento da decisão do CNJ que determinara a aposentadoria compulsória, relativo à custódia em prisão masculina. Não alterava, entretanto, o segundo, alusivo à falsidade ideológica, por impossibilidade de fazê-lo em mandado de segurança. Assim, a questão deveria ser remetida novamente ao CNJ, para recalibrar a pena. O Min. Dias Toffoli, por sua vez, concedia totalmente a ordem, para cassar a reprimenda imposta à magistrada. No tocante ao ofício subscrito com data incorreta, mencionava que o fato seria irrelevante, pois impenderia saber apenas a data em que produzidos seus efeitos. A Min. Rosa Weber, em razão de não haver participado da sessão em que realizada sustentação oral (2.6.2011), por não integrar a Corte à época, não participou do julgamento (RISTF, art. 134, § 2º).

Lei 8.072/90 e regime inicial de cumprimento de pena

Direito Penal e Processo Penal – Crimes Hediondos e regimes de cumprimento da pena

HC 111840/ES, rel. Min. Dias Toffoli, 14.6.2012: o Plenário iniciou julgamento de habeas corpus em que também se debate a constitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei 8.072/90. No caso, o crime de tráfico perpetrado pelo paciente, que resultara em reprimenda inferior a oito anos de reclusão, ocorrera na vigência da Lei 11.464/2007, que instituíra a obrigatoriedade de imposição de regime de pena inicialmente fechado a crimes hediondos e assemelhados. O Min. Dias Toffoli, acompanhado pelos Ministros Rosa Weber, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Cezar Peluso, concedeu a ordem, para alterar o regime inicial de pena para o semiaberto. Incidentalmente, declarou a inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei 8.072/90, na parte em que contida a obrigatoriedade de fixação de regime fechado para início de cumprimento de reprimenda aos condenados pela prática de crimes hediondos ou equiparados. Segundo o relator, em análise às circunstâncias judiciais do art. 59 do CP, não teriam sido referidos requisitos subjetivos desfavoráveis ao paciente, considerado tecnicamente primário. Assim, entendeu desnecessário o revolvimento fático-probatório para concluir-se pela possibilidade da pretendida fixação do regime semiaberto para início de cumprimento de pena.

 
Ressaltou o relator que: 1) a Corte, ao analisar o HC 97256/RS (DJe de 16.12.2010), declarou incidenter tantum a inconstitucionalidade dos artigos 33, § 4º, e 44, caput, da Lei 11.343/2006, na parte em que vedada a substituição de pena privativa de liberdade por restritiva de direitos em condenação pelo delito de tráfico; 2) a negativa de substituição da pena, naquele caso, calcou-se exclusivamente na proibição legal contida no referido art. 44, sem qualquer menção às condições pessoais do paciente, o que não seria possível; 3) o legislador faculta a possibilidade de substituição com base em critérios objetivos e subjetivos, e não em função do tipo penal; 4) se a Constituição quisesse permitir à lei essa proibição com base no crime em abstrato, teria incluído a restrição no tópico inscrito no art. 5º, XLIII, da CF; 5) a convolação de pena privativa de liberdade por restritiva de direitos deve sempre ser analisada independentemente da natureza da infração, mas em razão de critérios aferidos concretamente, por se tratar de direito subjetivo garantido constitucionalmente ao indivíduo; 6) a Constituição contempla as restrições a serem impostas aos incursos em dispositivos da Lei 8.072/90, e dentre elas não se encontraria a obrigatoriedade de imposição de regime extremo para início de cumprimento de pena; 7) o art. 5º, XLIII, da CF, afasta somente a fiança, a graça e a anistia, para, no inciso XLVI, assegurar, de forma abrangente, a individualização da pena; 8) a partir do julgamento do HC 82959/SP (DJe de 1º.9.2006), o STF passou a admitir a possibilidade de progressão de regime a condenados pela prática de crimes hediondos, tendo em conta a declaração de inconstitucionalidade do art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90; 9) essa possibilidade viera a ser acolhida, posteriormente, pela Lei 11.464/2007, que modificara a Lei 8.072/90, para permitir a progressão. Contudo, estipulara que a pena exarada pela prática de qualquer dos crimes nela mencionados seria, necessariamente, cumprida inicialmente em regime fechado. Concluiu que, superado o dispositivo adversado, deveria ser admitido o início de cumprimento de reprimenda em regime diverso do fechado, a condenados que preenchessem os requisitos previstos no art. 33, § 2º, b; e § 3º, do CP.

Os Ministros Luiz Fux, Joaquim Barbosa e Marco Aurélio, em divergência, indeferiram a ordem.

O Min. Luiz Fux votou nos seguintes termos: 1) a restrição, quanto ao regime inicial de cumprimento de pena, em relação a crimes hediondos, constitui opção legislativa; 2) o Judiciário, nesse campo, dever ter postura minimalista e respeitar a orientação do legislador ordinário, visto que, no Estado Democrático de Direito, a supremacia seria do parlamento; 3) a primazia judicial só se instauraria em vácuo legislativo, o que não seria o caso; 4) a própria Constituição estabelecera que a lei consideraria crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática de tráfico ilícito de entorpecentes; 5) se a Constituição não permitiria a liberdade em si, na forma de graça, anistia ou fiança, a lei ordinária poderia atuar na escala de valoração da pena, que também abarcaria seu regime de execução; 6) lei discutida não seria inconstitucional, apenas atenderia a mandamento da Constituição no sentido de tratar de modo especial o crime de tráfico; 7) a proibição legal justificar-se-ia em razão da presunção de periculosidade do crime e de seu agente, a merecer maior rigor; 8) a execução penal em regime fechado faria parte do contexto da repressão penal; 9) entendimento diverso levaria à conclusão de que o art. 33, § 2º, a, do CP, a exigir o cumprimento de pena superior a oito anos em regime inicialmente fechado, seria também inconstitucional, bem como todas as penas mínimas; 10) o tratamento legal dado a essa espécie de crime não objetivaria que o cidadão cumprisse a pena em regime fechado, mas teria por escopo a inibição da prática delitiva, de modo que as penas graves e o regime inicial igualmente severo fariam parte dessa estratégia de prevenção.

 
O Min. Marco Aurélio acrescentou que assertiva no sentido de que o preceito em voga seria inconstitucional levaria, de igual modo, à conclusão de que a prisão provisória por trinta dias, na hipótese de crimes hediondos, seria incompatível com a Constituição. Da mesma maneira, seria necessário inferir-se quanto aos requisitos para progressão de regime no que concerne aos crimes da Lei 8.072/90. Estatuiu que o princípio da individualização da pena deveria ser contextualizado, e que aquele que cometesse crime de menor gradação não poderia ter o mesmo regime inicial de cumprimento de pena relativo a quem perpetrasse delito de maior gravidade, como os crimes hediondos. Após, deliberou-se suspender o julgamento para aguardar o voto dos demais Ministros.

REPERCUSSÃO GERAL

Contratação sem concurso público e direito ao FGTS
Administrativo (princípios da Administração Pública), Concurso público

RE 596478/RR, rel. orig. Min. Ellen Gracie, red. p/ o acórdão Min. Dias Toffoli, 13.6.2012: O art. 19-A da Lei 8.036/90, acrescido pelo art. 9º da Medida Provisória 2.164-41/2001, que assegura direito ao FGTS à pessoa que tenha sido contratada sem concurso público não afronta a Constituição. Salientou-se tratar-se, na espécie, de efeitos residuais de fato jurídico que existira, não obstante reconhecida sua nulidade com fundamento no próprio § 2º do art. 37 da CF. Mencionou-se que o Tribunal tem levado em consideração essa necessidade de se garantir a fatos nulos, mas existentes juridicamente, os seus efeitos. Consignou-se a impossibilidade de se aplicar, no caso, a teoria civilista das nulidades de modo a retroagir todos os efeitos desconstitutivos dessa relação. Ressaltou-se, ainda, que a manutenção desse preceito legal como norma compatível com a Constituição consistiria, inclusive, em desestímulo aos Estados que quisessem burlar concurso público. Aludiu-se ao fato de que, se houvesse irregularidade na contratação de servidor sem concurso público, o responsável, comprovado dolo ou culpa, responderia regressivamente nos termos do art. 37 da CF. Portanto, inexistiria prejuízo para os cofres públicos.

Vencidos os Ministros Ellen Gracie, relatora, Cármen Lúcia, Joaquim Barbosa, Luiz Fux e Marco Aurélio, que davam provimento ao recurso para assentar a inconstitucionalidade do artigo adversado. Sublinhavam que a nulidade da investidura impediria o surgimento de direitos trabalhistas — resguardado, como único efeito jurídico válido resultante do pacto celebrado, o direito à percepção do salário referente ao período efetivamente trabalhado, para evitar o enriquecimento sem causa do Estado —, não fazendo o empregado, por conseguinte, jus aos depósitos em conta vinculada a título de FGTS. O Min. Joaquim Barbosa afirmava que a exigência de prévia aprovação em concurso público para provimento de cargo seria incompatível com o objetivo essencial para a qual o FGTS fora criado. O Min. Marco Aurélio asseverava vício formal da aludida medida provisória por não vislumbrar os pressupostos de urgência e relevância.

PRIMEIRA TURMA

Latrocínio e nexo causal
Direito Penal – Roubo – Latrocínio - Coautoria

HC 109151/RJ, rel. Min. Rosa Weber, 12.6.2012: A 1ª Turma, por maioria, deferiu habeas corpus a fim de invalidar decisão que condenara o paciente pelo crime de latrocínio (CP, art. 157, §3º) e determinar fosse prolatada nova sentença relacionada à imputação do crime de roubo tentado. Na espécie, o ora impetrante fora denunciado pelos seguintes delitos praticados em conjunto com outro agente não identificado: a) roubo qualificado consumado (CP, art. 157, §2º, I e II), em padaria; b) roubo qualificado tentado (CP, art. 157, §2º, I e II, c/c art. 14, II), em farmácia; e c) receptação (CP, art. 180), por conta de utilização de veículo subtraído. A vítima do primeiro delito acionara a polícia militar, que prendera em flagrante o paciente no interior da farmácia, enquanto este praticava o segundo crime. O seu cúmplice aguardava do lado de fora do estabelecimento para garantir o sucesso da subtração. Quando vários policiais chegaram ao local, detiveram o paciente, ao passo que o coautor empreendera fuga e matara policial que seguira em seu encalço. O juízo singular, ao aplicar o art. 383 do CPP, condenara o paciente, respectivamente, pelos crimes de roubo consumado (padaria); latrocínio, em decorrência da morte do policial (farmácia); e receptação, porquanto entendera que a conduta estaria narrada na inicial acusatória, tendo apenas se dado classificação inadequada do tipo criminal. Na fase recursal, as condenações foram mantidas, mas com diminuição das penas.

Inicialmente, a Min. Rosa Weber, relatora, rememorou jurisprudência da Corte no sentido de que o coautor que participa de roubo armado responderia pelo latrocínio, ainda que o disparo tivesse sido efetuado só pelo comparsa. Entretanto, reputou que não se poderia imputar o resultado morte ao coautor quando houvesse ruptura do nexo de causalidade entre os agentes. O Min. Luiz Fux acrescentou que seria necessário o nexo biopsicológico no quesito relativo à culpabilidade. Explicou que a coautoria resultaria da ciência de ambos a respeito do que iriam fazer e que um deles já estaria preso enquanto o outro fugia. O Min. Dias Toffoli, ante as peculiaridades do caso, acompanhou a relatora. Vencido o Min. Marco Aurélio, que indeferia o writ ao fundamento de existir elemento a ligar o resultado morte ao roubo. Considerava ser esta a exigência do Código Penal ao retratar o latrocínio. Versava pouco importar que o segundo agente tivesse atirado tentando escapar à sua prisão, o que denotaria elo entre o roubo e o resultado morte. Precedente citado: HC 74861/SP (DJU de 25.3.97).

Organização criminosa e enquadramento legal
Direito Penal e Processo Penal – requisitos da denúncia – tipo penal “organização criminosa”

HC 96007/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 12.6.2012: Em conclusão, a 1ª Turma deferiu habeas corpus para trancar ação penal instaurada em desfavor dos pacientes. Tratava-se, no caso, de writ impetrado contra acórdão do STJ que denegara idêntica medida, por considerar que a denúncia apresentada contra eles descreveria a existência de organização criminosa que se valeria de estrutura de entidade religiosa e de empresas vinculadas para arrecadar vultosos valores, ludibriando fiéis mediante fraudes, desviando numerários oferecidos para finalidades ligadas à Igreja, da qual aqueles seriam dirigentes, em proveito próprio e de terceiros. A impetração sustentava a atipicidade da conduta imputada aos pacientes — lavagem de dinheiro e ocultação de bens, por meio de organização criminosa (Lei 9.613/98, art. 1º, VII) — ao argumento de que a legislação brasileira não contemplaria o tipo “organização criminosa” — v. Informativo 567. Inicialmente, ressaltou-se que, sob o ângulo da organização criminosa, a inicial acusatória remeteria ao fato de o Brasil, mediante o Decreto 5.015/2004, haver ratificado a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional — Convenção de Palermo [“Artigo 2 Para efeitos da presente Convenção, entende-se por: a) ‘Grupo criminoso organizado’ - grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material”].

Em seguida, aduziu-se que o crime previsto na Lei 9.613/98 dependeria do enquadramento das condutas especificadas no art. 1º em um dos seus incisos e que, nos autos, a denúncia aludiria a delito cometido por organização criminosa (VII). Mencionou-se que o parquet, a partir da perspectiva de haver a definição desse crime mediante o acatamento à citada Convenção das Nações Unidas, afirmara estar compreendida a espécie na autorização normativa. Tendo isso em conta, entendeu-se que a assertiva mostrar-se-ia discrepante da premissa de não existir crime sem lei anterior que o definisse, nem pena sem prévia cominação legal (CF, art. 5º, XXXIX). Asseverou-se que, ademais, a melhor doutrina defenderia que a ordem jurídica brasileira ainda não contemplaria previsão normativa suficiente a concluir-se pela existência do crime de organização criminosa. Realçou-se que, no rol taxativo do art. 1º da Lei 9.613/98, não constaria sequer menção ao delito de quadrilha, muito menos ao de estelionato — também narrados na exordial. Assim, arrematou-se que se estaria potencializando a referida Convenção para se pretender a persecução penal no tocante à lavagem ou ocultação de bens sem se ter o delito antecedente passível de vir a ser empolgado para tanto, o qual necessitaria da edição de lei em sentido formal e material. Estendeu-se, por fim, a ordem aos corréus.

Princípio da insignificância e furto
Direito Penal – Princípio da insignificância

HC 109183/RS, rel. Min. Luiz Fux, 12.6.2012 e HC 110932/RS, rel. Min. Luiz Fux, 12.6.2012: A 1ª Turma indeferiu, em julgamento conjunto, habeas corpus nos quais se postulava trancamento de ação penal em virtude de alegada atipicidade material da conduta. Tratava-se, no HC 109183/RS, de condenado por furtar, com rompimento de obstáculo, bens avaliados em R$ 45,00, equivalente a 30% do salário mínimo vigente à época. No HC 110932/RS, de acusado por, supostamente, subtrair, mediante concurso de pessoas, bicicleta estimada em R$ 128,00, correspondente a 50% do valor da cesta básica da capital gaúcha em outubro de 2008. Mencionou-se que o Código Penal, no art. 155, § 2º, ao se referir ao pequeno valor da coisa furtada, disciplinaria critério de fixação da pena — e não de exclusão da tipicidade —, quando se tratasse de furto simples. Consignou-se que o princípio da insignificância não haveria de ter como parâmetro tão só o valor da res furtiva, devendo ser analisadas as circunstâncias do fato e o reflexo da conduta do agente no âmbito da sociedade, para decidir sobre seu efetivo enquadramento na hipótese de crime de bagatela. Discorreu-se que o legislador ordinário, ao qualificar a conduta incriminada, teria apontado o grau de afetação social do crime, de sorte que a relação existente entre o texto e o contexto — círculo hermenêutico — não poderia conduzir o intérprete à inserção de norma não abrangida pelos signos do texto legal. Assinalou-se que, consectariamente, as condutas imputadas aos autores não poderiam ser consideradas como inexpressivas ou de menor afetação social, para fins penais, adotando-se tese de suas atipicidades em razão do valor dos bens subtraídos.

O Min. Luiz Fux, relator, ponderou que não se poderia entender atípica figura penal que o Código assentasse típica, porquanto se atuaria como legislador positivo. Aduziu que, por menor, ou maior, que fosse o direito da parte, seria sempre importante para aquela pessoa que perdera o bem. Aludiu à solução com hermenêutica legal. O Min. Marco Aurélio complementou que a atuação judicante seria vinculada ao direito posto. Enfatizou haver balizamento em termos de reprimenda no próprio tipo penal. Admoestou que o furto privilegiado dependeria da primariedade do agente e, na insignificância, esta poderia ser colocada em segundo plano. O Min. Dias Toffoli subscreveu a conclusão do julgamento, tendo em conta as circunstâncias específicas de cada caso. Ante as particularidades das situações em jogo, a Min. Rosa Weber, acompanhou o relator, porém sem adotar a fundamentação deste. Vislumbrava que o Direito Penal não poderia — haja vista os princípios da interferência mínima do Estado e da fragmentariedade — atuar em certas hipóteses.

Prisão cautelar e livramento condicional
Direito Processual Penal – Prisão cautelar – Livramento condicional – Lei de Execuções Penais

HC 109618/RJ, rel. Min. Dias Toffoli, 12.6.2012: A 1ª Turma denegou habeas corpus em que se pretendia fosse revogada prisão ordenada por juízo da execução, bem assim determinada análise de pedido de livramento condicional somente com base em condenação definitiva. Na espécie, o paciente fora sentenciado em duas ações penais. A primeira decisão transitara em julgado anteriormente à segunda condenação, por delito distinto, ainda pendente de exame de recurso da defesa. Esclareceu-se que, na época desta última, o paciente estaria em liberdade e o juiz teria assentado a necessidade de prisão cautelar. Dessumiu-se não se tratar de revogação de livramento condicional, mas de mera consequência decorrente de condenação posterior com vedação a recurso em liberdade. Acrescentou-se que, diante deste novo título prisional, até que se decidisse definitivamente sobre ele, o balizamento a que estaria jungido o juízo da execução seria aquele resultante do somatório da condenação definitiva, ostentada pelo paciente, e daqueloutra pena provisoriamente estabelecida.

Princípio da insignificância e militar da reserva
Direito Penal – Princípio da insignificância

HC 108884/RS, rel. Min. Rosa Weber, 12.6.2012: A 1ª Turma denegou habeas corpus em que pleiteada a aplicação do princípio da insignificância em favor de policial militar da reserva acusado de utilizar documento falso — passe livre conferido àqueles da ativa — para obter passagem de ônibus intermunicipal sem efetuar pagamento do preço. Explicitou-se que, independentemente do valor do bilhete, a conduta revestir-se-ia de elevada reprovabilidade, porquanto envolveria policial militar.

Entidade de previdência privada e imunidade tributária
Tributário – Imunidade tributária

RE 163164 AgR/SP, rel. orig. Min. Dias Toffoli, red. p/ o acórdão Min. Marco Aurélio, 12.6.2012: A 1ª Turma, por maioria, proveu agravo regimental em recurso extraordinário para restabelecer posicionamento de que a agravante, entidade de previdência privada, gozaria de imunidade tributária garantida pela Constituição. Na decisão monocrática recorrid, afastara-se a imunidade, por entender afirmado no acórdão que a mencionada sociedade prestaria serviços a seus associados mediante pagamento de contribuição. Prevaleceu o voto do Min. Marco Aurélio. Inferiu inexistir assertiva na decisão do Tribunal a quo àquele respeito. Ato contínuo, consignou haver reiterados pronunciamentos do Supremo no sentido de que a entidade agravante seria detentora de imunidade tributária. Complementou que não se poderia ter descompasso em determinados processos, reconhecendo-se essa imunidade, porque não haveria contribuição dos beneficiários para a manutenção do próprio benefício, e, em outros, ter-se decisão diversa. Ante o contexto, entendeu que a ela conferir-se-ia imunidade tributária, consoante o Verbete 730 da Súmula do STF (“A imunidade tributária conferida a instituições de assistência social sem fins lucrativos pelo art. 150, VI, ´c’, da Constituição, somente alcança as entidades fechadas de previdência social privada se não houver contribuição dos beneficiários”). Vencido o Min. Dias Toffoli, relator, que desprovia o agravo.

SEGUNDA TURMA

Falsificação documental e incompetência da justiça militar
Constitucional – Processual Penal - Competência

HC 106683/RS, rel. Min. Celso de Mello, 12.6.2012: A justiça castrense é incompetente para processar e julgar militar reformado acusado pela suposta prática dos crimes de falsificação e uso de documentos falsos em face da Caixa Econômica Federal. Asseverou-se que o delito praticado contra aquela instituição financeira não ofenderia as organizações militares e, portanto, competente à justiça federal.

Limites da competência de juízo de primeiro grau
Processual Penal – Competência – Juiz de primeiro grau – Nulidade absoluta

HC 110358/SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 12.6.2012: O juízo de primeiro grau não pode rescindir acórdão de instância superior, mesmo na hipótese de existência de nulidade absoluta, sob pena de violação das normas processuais penais e constitucionais relativas à divisão de competência. Na espécie, em virtude de o paciente não ter sido localizado, o juízo processante decretara a revelia e a sua prisão preventiva, ocasião em que nomeado defensor dativo para patrocinar a defesa. Baixados os autos à vara de origem, em virtude do trânsito em julgado da sentença condenatória, a juíza sentenciante declarara a nulidade de todos os atos processuais, a partir do recebimento das contrarrazões da apelação, sob o fundamento de que o paciente não teria sido intimado pessoalmente da sentença condenatória, mas somente o seu defensor. Os autos retornaram ao tribunal ad quem para que fosse julgada a apelação interposta pelo parquet, sendo anulada a decisão da magistrada de piso, por entender que o juízo de primeiro grau não teria competência para rescindir julgado de instância superior.

Apenas o tribunal prolator de uma decisão teria competência para, nas hipóteses legais e pela via própria, rescindir, originariamente, seus julgados. Asseverou-se que o órgão colegiado limitara-se a anular a decisão do juízo de primeira instância que rescindira indevidamente o seu julgado, sem manifestar-se, expressamente, sobre eventual nulidade decorrente da falta de intimação do paciente. Assim, não competiria ao STF analisar, per saltum, essa questão. Aduziu-se, ademais, que a impetrante não demonstrara o efetivo prejuízo causado pela ausência de intimação da sentença condenatória ao paciente mediante edital, visto que defendido em todas as fases do processo por defensor designado pelo juízo.

REPERCUSSÃO GERAL
Processo penal – Atuação do Ministério Público

REPERCUSSÃO GERAL EM RE N. 590.908-AL RED. P/ O ACÓRDÃO: MIN. MARCO AURÉLIO: Possui repercussão geral a controvérsia acerca da possibilidade de o Ministério Público, havendo se manifestado pela impronúncia do acusado, vir a interpor recurso contra decisão no mesmo sentido.

C L I P P I N G  D O  DJ

Processo Civil – Recurso Extraordinário – Pressupostos de admissibilidade
AG. REG . NO ARE N. 668.442-SE (RELATOR: MIN. LUIZ FUX): 1. O requisito do prequestionamento é indispensável, por isso que inviável a apreciação, em sede de recurso extraordinário, de matéria sobre a qual não se pronunciou o Tribunal de origem, incidindo o óbice da Súmula 282  do Supremo Tribunal Federal; 2. A violação indireta ou reflexa das regras constitucionais não enseja recurso extraordinário; 3. A ofensa aos postulados da legalidade, do devido processo legal, da ampla defesa, da motivação dos atos decisórios, do contraditório, dos limites da coisa julgada e da prestação jurisdicional, se ocorrente, seria indireta ou reflexa; 4. A Súmula 279/STF dispõe verbis: Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário; 5. O recurso extraordinário não se presta ao exame de questões que demandam revolvimento do contexto fático-probatório dos autos, adstringindo-se à análise da violação direta da ordem constitucional.

 
Direito Tributário – Imunidade da Entidade Beneficente de Assistência Social - Requisitos
RMS N. 28.456-DF (RELATORA: MIN. CÁRMEN LÚCIA): 1. Argumentos novos, suscitados apenas no recurso ordinário e que, portanto, não foram objeto do acórdão recorrido, não podem ser analisados, sob pena de ofensa ao princípio do duplo grau de jurisdição; 2. O Decreto n. 2.536/1998 e a Resolução MPAS/CNAS n. 46/1994 são regulamentos autorizados pelas Leis n. 8.742/1993 e 8.909/1994; 3. Não há ofensa ao art. 150, inc. I, da Constituição da República, pois esse dispositivo exige lei para instituição ou aumento de tributos e não cuida do estabelecimento de requisito a ser cumprido por entidade beneficente a fim de obter imunidade ao pagamento de tributos; 4. Em precedentes nos quais se discutia a renovação periódica do Certificado de Entidade Beneficente como exigência imposta às entidades beneficentes para a obtenção de imunidade, o Supremo Tribunal Federal firmou entendimento de que não há imunidade absoluta nem ofensa ao art. 195, § 7º, da Constituição da República.


Processo penal – Habeas Corpus – Penal – Crime continuado
HC N. 105.558-PR (RELATORA: MIN. ROSA WEBER): 1. O habeas corpus não se presta ao exame e à valoração aprofundada das provas, não sendo viável reavaliar o conjunto probatório que levou à condenação criminal do paciente por crimes de estupro e atentado violento ao pudor; 2. O entendimento desta Corte pacificou-se quanto a ser absoluta a presunção de violência nos casos de estupro contra menor de catorze anos nos crimes cometidos antes da vigência da Lei 12.015/09, a obstar a pretensa relativização da violência presumida; 3. O aumento da pena devido à continuidade delitiva varia conforme o número de delitos. Na espécie, consignado nas instâncias ordinárias terem os crimes sido cometidos diariamente ao longo de quase dois anos, autorizada a majoração máxima.

Direito Penal – Insignificância – Moeda falsa
HC N. 105.638-GO (RELATORA: MIN. ROSA WEBER): Consoante jurisprudência deste Tribunal, inaplicável o princípio da insignificância aos crimes de moeda falsa, em que objeto de tutela da norma a fé pública e a credibilidade do sistema financeiro, não sendo determinante para a tipicidade o valor posto em circulação.

Processo penal – Prisão Preventiva

HC N. 108.753-MG (RELATORA: MIN. ROSA WEBER): 1. Havendo condenação criminal, ainda que submetida à apelação, encontram-se presentes os pressupostos da preventiva, a saber, prova da materialidade e indícios de autoria.  Não se trata, apenas, de juízo de cognição provisória e sumária acerca da responsabilidade criminal do acusado, mas, sim, de julgamento condenatório, que foi precedido por amplo contraditório e no qual as provas foram objeto de avaliação imparcial, ou seja, um juízo efetuado, com base em cognição profunda e exaustiva, de que o condenado é culpado de um crime.  Ainda que a sentença esteja sujeita à reavaliação crítica através de recursos, a situação difere da prisão preventiva decretada antes do julgamento; 2.  Se as circunstâncias concretas da prática do crime indicam o envolvimento profundo do agente com o tráfico de drogas e, por conseguinte, a periculosidade e o risco de reiteração delitiva, está justificada decretação ou a manutenção da prisão cautelar para resguardar a ordem pública, desde que igualmente presentes boas provas da materialidade e da autoria; 3 O efeito disruptivo e desagregador do tráfico de drogas, este associado a um mundo de violência, desespero e morte para as suas vítimas e para as comunidades afetadas, justifica tratamento jurídico mais rigoroso em relação aos agentes por eles responsáveis e que deve refletir na análise dos casos concretos.

Direito penal – Princípio da insignificância

HC N. 112.224-DF (RELATORA: MIN. CÁRMEN LÚCIA): 1. A restituição do bem furtado à vítima não leva à aplicação do princípio da insignificância e à atipicidade material da conduta imputada, mas está prevista como atenuante da pena a ser imposta pelo juiz quando proferir a sentença, nos termos do art. 240, caput, § § 1º e 2º, do Código Penal Militar. Precedentes; 2. O princípio da insignificância reduz o âmbito de proibição aparente da tipicidade legal e, por consequência, torna atípico o fato na seara penal, apesar de haver lesão a bem juridicamente tutelado pela norma penal; 3. Para a incidência do princípio da insignificância, devem ser relevados o valor do objeto do crime e os aspectos objetivos do fato, tais como, a mínima ofensividade da conduta do agente, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica causada; 4. Impossibilidade de incidência, na espécie vertente, do princípio da insignificância. Bem furtado dentro das instalações de instituição militar e de valor quase três vezes e meia o valor do salário mínimo da data dos fatos.

Direito Penal – Estelionato contra a Previdência Social

HC N. 113.179-ES (RELATORA: MIN. CÁRMEN LÚCIA): 1. É firme a jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal no sentido de que o crime de estelionato previdenciário praticado pelo próprio beneficiário tem natureza permanente, e, por isso, o prazo prescricional começa a fluir a partir da cessação da permanência e não do primeiro pagamento do benefício.

Processo Penal – Notificação prévia para resposta preliminar - Nulidades

HC N. 104.054-RJ (RELATOR: MIN. JOAQUIM BARBOSA): É da jurisprudência desta Corte que “a ausência da notificação prévia de que trata o art. 514 do Código de Processo Penal constitui vício que gera nulidade relativa e deve ser argüida oportunamente, sob pena de preclusão” (HC 97.033/SP, rel. min. Cármen Lúcia, DJe 108 de 10.06.2009). Igualmente sedimentado é o entendimento de que “a superveniência de sentença condenatória, que denota a viabilidade da ação penal, prejudica a preliminar de nulidade processual por falta de defesa prévia à denúncia” (HC 89.517/RJ, rel. min. Cezar Peluso, DJe 27 de 11.02.2010). Ordem denegada.

Constitucional - Processo Civil – Competência – Ações contra entidade de ensino superior

AG. REG. NO RE N. 432.133-MS (RELATOR: MIN. DIAS TOFFOLI): 1. As ações ajuizadas contra as instituições particulares de ensino superior que não envolvam interesse da União deverão ser processadas pela Justiça Comum Estadual.

Constitucional – Competência – Tribunal de Contas da União – Princípios da Administração Pública

MS N. 24.020-DF (RELATOR: MIN. JOAQUIM BARBOSA): Reconhecida a competência do Tribunal de Contas da União para a verificação da legalidade do ato praticado pelo impetrante, nos termos dos artigos 71, VIII e IX da Constituição Federal.

Identificada a hipótese de nepotismo cruzado. A nomeação para o cargo de assessor do impetrante é ato formalmente lícito. Contudo, no momento em que é apurada a finalidade contrária ao interesse público, qual seja, uma troca de favores entre membros do Judiciário, o ato deve ser invalidado, por violação ao princípio da moralidade administrativa e por estar caracterizada a sua ilegalidade, por desvio de finalidade. Ordem denegada. Decisão unânime.

Constitucional - ADCT
AG. REG. NO RE N. 176.068-MG (RELATOR: MIN. DIAS TOFFOLI): 1. A jurisprudência desta Corte, representada por inúmeros precedentes, reconheceu a advogados que exerciam, antes do advento da Constituição Federal de 1988, a função de defensores públicos o direito de optar pela carreira, qualquer que fosse a forma de ingresso no serviço público; 2. Aplicação do disposto no art. 22 do ADCT que independe da análise de fatos e provas dos autos.

 
Processo Civil – Requisitos de admissibilidade do Recurso Extraordinário
AG. REG. NO AI N. 561.726-PE (RELATOR: MIN. JOAQUIM BARBOSA): Não preenchidos os requisitos de admissibilidade do recurso extraordinário, tornam-se inaplicáveis os efeitos do reconhecimento da repercussão geral do tema (art. 323, RISTF). A alegação de ofensa ao art. 2º da Constituição não foi ventilada no acórdão recorrido e nem foi objeto de embargos de declaração. Falta-lhe, pois, o indispensável prequestionamento (Súmulas 282 e 356). Julgar sobre a presença dos requisitos do mandado de segurança demanda o exame de normas processuais infraconstitucionais e de prova, o que torna incabível o recurso extraordinário ( Súmula 279). A existência de norma específica da corporação que rege a situação dos autos não foi impugnada, de tal sorte que subsiste fundamento suficiente para manter o acórdão ora recorrido (Súmula 283).

 
Processo Civil – Requisitos de admissibilidade do Recurso Extraordinário

AG. REG. NO AI N. 772.328-SC (RELATOR: MIN. LUIZ FUX): 1. A violação reflexa e oblíqua da Constituição Federal decorrente da necessidade de análise de malferimento de dispositivos infraconstitucionais torna inadmissível o recurso extraordinário.  Precedentes: RE 596.682, Rel. Min. Carlos Britto, Dje de 21/10/10, e o AI 808.361, Rel. Min. Marco Aurélio, Dje de 08/09/10. 2. Os princípios da legalidade, o do devido processo legal, o da ampla defesa e o do contraditório, bem como a verificação dos limites da coisa julgada e da motivação das decisões judiciais, quando a aferição da violação dos mesmos depende de reexame prévio de normas infraconstitucionais, revelam ofensa indireta ou reflexa à Constituição Federal, o que, por si só, não desafia a instância extraordinária.  Precedentes: RE n. 561.980-AgR, Primeira Turma, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, DJe de 08.04.2011 e RE n. 561.980-AgR, Primeira Turma, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, DJe de 08.04.2011.

T R A N S C R I Ç Õ E S

HC 111874 MC/BA
RELATOR: Ministro Celso de Mello

Prisão cautelar - Gravidade do crime - Fundamento exclusivo - Inadmissibilidade (Transcrições)

DECISÃO: Trata-se de “habeas corpus”, com pedido de medida liminar, impetrado contra decisão emanada de eminente Ministro de Tribunal Superior da União, que, em sede de outra ação de “habeas corpus” ainda em curso no Superior Tribunal de Justiça (HC 230.013/BA), denegou provimento cautelar que lhe havia sido requerido em favor do ora paciente.

Presente tal contexto, impende verificar, desde logo, se a situação processual versada nestes autos justifica, ou não, o afastamento, sempre excepcional, da Súmula 691/STF.

Como se sabe, o Supremo Tribunal Federal, ainda que em caráter extraordinário, tem admitido o afastamento, “hic et nunc”, da Súmula 691/STF, em hipóteses nas quais a decisão questionada divirja da jurisprudência predominante nesta Corte ou, então, veicule situações configuradoras de abuso de poder ou caracterizadoras de manifesta ilegalidade (HC 85.185/SP, Rel. Min. CEZAR PELUSO – HC 86.634-MC/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO - HC 86.864-MC/SP, Rel. Min. CARLOS VELLOSO – HC 87.468/SP, Rel. Min. CEZAR PELUSO – HC 89.025-MC-AgR/SP, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA - HC 90.112-MC/PR, Rel. Min. CEZAR PELUSO – HC 94.016/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO – HC 96.095/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO – HC 96.483/ES, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).

Parece-me que a situação exposta nesta impetração ajustar-se-ia às hipóteses que autorizam a superação do obstáculo representado pela Súmula 691/STF.

Por tal razão, e sem prejuízo do ulterior reexame da questão, passo, em conseqüência, a examinar a postulação cautelar ora deduzida nesta sede processual.

E, ao fazê-lo, observo que os fundamentos em que se apóia a presente impetração revestem-se de inquestionável relevo jurídico, especialmente se se examinar o conteúdo da decisão que decretou a prisão cautelar do ora paciente (prisão preventiva), confrontando-se, para esse efeito, as razões que lhe deram suporte com os padrões que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou na matéria em análise.

Eis, no ponto, o teor da decisão, que, emanada do MM. Juiz de Direito da comarca de Monte Santo/BA, motivou as sucessivas impetrações de “habeas corpus” em favor do ora paciente :

“O Acusado **, por sua vez, guardou em sua residência inúmeras munições de uso restrito das forças armadas, praticando crime gravíssimo, o qual, evidentemente, também comprometeu a ordem pública.”

Presente esse contexto, cabe verificar se os fundamentos subjacentes à decisão ora questionada ajustam-se, ou não, ao magistério jurisprudencial firmado pelo Supremo Tribunal Federal no exame do instituto da prisão cautelar.

Tenho para mim que a decisão em causa, ao manter a prisão preventiva do ora paciente, apoiou-se em elementos insuficientes, destituídos de base empírica idônea, revelando-se, por isso mesmo, desprovida de necessária fundamentação substancial.

Todos sabemos que a privação cautelar da liberdade individual é sempre qualificada pela nota da excepcionalidade (HC 96.219-MC/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.), eis que a supressão meramente processual do “jus libertatis” não pode ocorrer em um contexto caracterizado por julgamentos sem defesa ou por condenações sem processo (HC 93.883/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO).

É por isso que esta Suprema Corte tem censurado decisões que fundamentam a privação cautelar da liberdade no reconhecimento de fatos que se subsumem à própria descrição abstrata dos elementos que compõem a estrutura jurídica do tipo penal:

“(...) PRISÃO PREVENTIVA - NÚCLEOS DA TIPOLOGIA - IMPROPRIEDADE. Os elementos próprios à tipologia bem como as circunstâncias da prática delituosa não são suficientes a respaldar a prisão preventiva, sob pena de, em última análise, antecipar-se o cumprimento de pena ainda não imposta (...).”
(HC 83.943/MG, Rel. Min. MARCO AURÉLIO – grifei)

Essa asserção permite compreender o rigor com que o Supremo Tribunal Federal tem examinado a utilização, por magistrados e Tribunais, do instituto da tutela cautelar penal, em ordem a impedir a subsistência dessa excepcional medida privativa da liberdade, quando inocorrente hipótese que possa justificá-la:
“Não serve a prisão preventiva, nem a Constituição permitiria que para isso fosse utilizada, a punir sem processo, em atenção à gravidade do crime imputado, do qual (...) ‘ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória’ (CF, art. 5º, LVII).
O processo penal, enquanto corre, destina-se a apurar uma responsabilidade penal; jamais a antecipar-lhe as conseqüências.
Por tudo isso, é incontornável a exigência de que a fundamentação da prisão processual seja adequada à demonstração da sua necessidade, enquanto medida cautelar, o que (...) não pode reduzir-se ao mero apelo à gravidade objetiva do fato (...).”
(RTJ 137/287, 295, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – grifei)

Impende assinalar, por isso mesmo, que a gravidade em abstrato do crime não basta para justificar, só por si, a privação cautelar da liberdade individual do paciente.

O Supremo Tribunal Federal tem advertido que a natureza da infração penal não se revela circunstância apta, “per se”, a justificar a privação cautelar do “status libertatis” daquele que sofre a persecução criminal instaurada pelo Estado.
Esse entendimento vem sendo observado em sucessivos julgamentos proferidos no âmbito desta Corte, ainda que o delito imputado ao réu seja legalmente classificado como crime hediondo (RTJ 172/184, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - RTJ 182/601-602, Rel. p/ o acórdão Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – RHC 71.954/PA, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, v.g.):

A gravidade do crime imputado, um dos malsinados ‘crimes hediondos’ (Lei 8.072/90), não basta à justificação da prisão preventiva, que tem natureza cautelar, no interesse do desenvolvimento e do resultado do processo, e só se legitima quando a tanto se mostrar necessária: não serve a prisão preventiva, nem a Constituição permitiria que para isso fosse utilizada, a punir sem processo, em atenção à gravidade do crime imputado, do qual, entretanto, ‘ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória’ (CF, art. 5º, LVII).”
(RTJ 137/287, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – grifei)

“A ACUSAÇÃO PENAL POR CRIME HEDIONDO NÃO JUSTIFICA A PRIVAÇÃO ARBITRÁRIA DA LIBERDADE DO RÉU.
- A prerrogativa jurídica da liberdade - que possui extração constitucional (CF, art. 5º, LXI e LXV) - não pode ser ofendida por atos arbitrários do Poder Público, mesmo que se trate de pessoa acusada da suposta prática de crime hediondo, eis que, até que sobrevenha sentença condenatória irrecorrível (CF, art. 5º, LVII), não se revela possível presumir a culpabilidade do réu, qualquer que seja a natureza da infração penal que lhe tenha sido imputada.”
(RTJ 187/933-934, Rel. Min. CELSO DE MELLO)
É que a prisão cautelar, para legitimar-se em face de nosso sistema jurídico, impõe - além da satisfação dos pressupostos a que se refere o art. 312 do CPP (prova da existência material do crime e presença de indícios suficientes de autoria) - que se evidenciem, com fundamento em base empírica idônea, razões justificadoras da imprescindibilidade dessa extraordinária medida cautelar de privação da liberdade do indiciado ou do réu, como assinalou, em recentíssimo julgamento, a colenda Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal:


“A PRISÃO CAUTELAR CONSTITUI MEDIDA DE NATUREZA EXCEPCIONAL.
- A privação cautelar da liberdade individual reveste-se de caráter excepcional, somente devendo ser decretada ou mantida em situações de absoluta necessidade.
A prisão cautelar, para legitimar-se em face do sistema jurídico, impõe - além da satisfação dos pressupostos a que se refere o art. 312 do CPP (prova da existência material do crime e presença de indícios suficientes de autoria) - que se evidenciem, com fundamento em base empírica idônea, razões justificadoras da imprescindibilidade dessa extraordinária medida cautelar de privação da liberdade do indiciado ou do réu.
- A questão da decretabilidade ou manutenção da prisão cautelar. Possibilidade excepcional, desde que satisfeitos os requisitos mencionados no art. 312 do CPP. Necessidade da verificação concreta, em cada caso, da imprescindibilidade da adoção dessa medida extraordinária. Precedentes.

A MANUTENÇÃO DA PRISÃO EM FLAGRANTE – ENQUANTO MEDIDA DE NATUREZA CAUTELAR - NÃO PODE SER UTILIZADA COMO INSTRUMENTO DE PUNIÇÃO ANTECIPADA DO INDICIADO OU DO RÉU.
- A prisão cautelar não pode - nem deve - ser utilizada, pelo Poder Público, como instrumento de punição antecipada daquele a quem se imputou a prática do delito, pois, no sistema jurídico brasileiro, fundado em bases democráticas, prevalece o princípio da liberdade, incompatível com punições sem processo e inconciliável com condenações sem defesa prévia.
A prisão cautelar - que não deve ser confundida com a prisão penal - não objetiva infligir punição àquele que sofre a sua decretação, mas destina-se, considerada a função cautelar que lhe é inerente, a atuar em benefício da atividade estatal desenvolvida no processo penal.

A GRAVIDADE EM ABSTRATO DO CRIME NÃO CONSTITUI FATOR DE LEGITIMAÇÃO DA PRIVAÇÃO CAUTELAR DA LIBERDADE.
- A natureza da infração penal não constitui, só por si, fundamento justificador da decretação da prisão cautelar daquele que sofre a persecução criminal instaurada pelo Estado. Precedentes.

AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO, NO CASO, DA NECESSIDADE CONCRETA DE MANTER-SE A PRISÃO EM FLAGRANTE DO PACIENTE.
- Sem que se caracterize situação de real necessidade, não se legitima a privação cautelar da liberdade individual do indiciado ou do réu. Ausentes razões de necessidade, revela-se incabível, ante a sua excepcionalidade, a decretação ou a subsistência da prisão cautelar.
- Presunções arbitrárias, construídas a partir de juízos meramente conjecturais, porque formuladas à margem do sistema jurídico, não podem prevalecer sobre o princípio da liberdade, cuja precedência constitucional lhe confere posição eminente no domínio do processo penal.”
(HC 105.270/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO)
Em suma: a análise dos fundamentos invocados pela parte ora impetrante leva-me a entender que a decisão judicial de primeira instância não observou os critérios que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou em tema de prisão cautelar.
Todas as razões que venho de referir justificam a superação da restrição fundada na Súmula 691/STF, eis que o comportamento processual atribuído pela impetração a eminente Ministro do E. Superior Tribunal de Justiça – presente o contexto em exame – revela-se em conflito com a jurisprudência que esta Suprema Corte firmou na matéria, o que autoriza a apreciação do presente “writ”.
Sendo assim, tendo presentes as razões expostas, defiro o pedido de medida liminar, para, até final julgamento desta ação de “habeas corpus”, garantir, cautelarmente, ao ora paciente, a liberdade provisória que lhe foi negada nos autos do Processo-crime nº 0000790-04.2010.805.0168, ora em curso perante o Juízo de Direito da comarca de Monte Santo/BA, expedindo-se, imediatamente, em favor do paciente, se por al não estiver preso, o pertinente alvará de soltura.
Comunique-se, com urgência, transmitindo-se cópia da presente decisão ao E. Superior Tribunal de Justiça (HC 230.013/BA), ao E. Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (HC 0003420-18.2011.805.0000-0) e ao Juízo de Direito da comarca de Monte Santo/BA (Processo-crime nº 0000790-04.2010.805.0168).

Publique-se.

Brasília, 19 de março de 2012.
(200º Aniversário de promulgação da Constituição Política da Monarquia Espanhola, “La Pepa”, em Cádiz)

Ministro CELSO DE MELLO
Relator

INOVAÇÕES LEGISLATIVAS
Lei nº 12.665, de 13.6.2012 - Dispõe sobre a criação de estrutura permanente para as Turmas Recursais dos Juizados Especiais Federais; cria os respectivos cargos de Juízes Federais; e revoga dispositivos da Lei nº 10.259, de 12 de julho de 2001. Publicada no DOU, Seção 1, p. 1 em 14 de junho de 2012.



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segunda-feira, 25 de junho de 2012

JUIZ TAMBÉM RI


Baseado em histórias (sur)reais


Faltavam apenas cinco minutos para o término do expediente quando Dr. Justino Santos, Juiz Federal, recebe uma ação civil pública de oito volumes, interposta por uma Associação de Consumidores, visando à suspensão de reajuste de energia elétrica. Tenso com o horário e com a possibilidade de ter de decidir de imediato um processo tão volumoso, Dr. Justino concordou em receber logo o advogado da Associação, que assim iniciou a manifestação:


- Excelência, não preciso dizer nada! Leia aqui este contrato – fazendo chegar às mãos do juiz um documento de 15 laudas.


- Dr., perdoe-me, mas o adiantado da hora não me permite ler um documento deste tamanho antes de o senhor começar a falar. Façamos assim: o senhor resume a situação do processo e, no momento da decisão, eu faço esta leitura – respondeu o juiz.


- Pois o resumo é esse aqui: nisso aí tem até improbidade! – levantou-se e deixou a sala.


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ATIVISMO JUDICIAL E JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA


1. A EXPLOSÃO DA LITIGIOSIDADE 

Como um desdobramento da perda de credibilidade dos atores políticos, o Judiciário passa a ser visto como a instituição apta a funcionar como fiscalizadora dos demais poderes estatais. Tal constatação redundou em um crescimento acentuado no número de ações judiciais, ensejando a chamada “explosão da litigiosidade”, conforme expressão cunhada por Boaventura de Sousa Santos (SANTOS, 1989, p. 39).

Com uma previsão maior de garantias nas Constituições, associada à adoção de medidas tendentes à ampliação do acesso à justiça, ocorreu um despertar de consciência da sociedade em geral para a possibilidade de efetivação dos direitos com o ingresso de demandas no Judiciário.

Além disso, no que tange ao ordenamento jurídico brasileiro, algumas reformas procedimentais e a criação dos Juizados Especiais, no âmbito estadual e federal, ensejaram a “descoberta” do Judiciário por uma camada da população que, até então, dificilmente o visualizavam como meio viável à efetivação dos direitos, tanto pela onerosidade excessiva (caracterizada pelo pagamento de custas e honorários advocatícios, ou mesmo pelo deslocamento até os foros, muitas vezes situados apenas nas capitais dos Estados) quanto pelos aspectos relacionados à efetividade do serviço prestado (incalculável demora no processamento dos feitos, ausência de racionalidade na tramitação dos processos, bem como a dificuldade no cumprimento das sentenças, entre outros).

Contudo, Andrei Koerner adverte que o tema dos juizados especiais pode apresentar um resultado paradoxal, pois a mediação judicial dos conflitos é ampliada e, ao mesmo tempo, é limitada a efetividade das garantias constitucionais e o respeito às formas processuais, pois um conjunto maior de conflitos é solucionado por mecanismos informais (KOERNER, 2004, p. 79).

Houve, de todo modo, um crescimento não apenas numérico dos processos judiciais, mas também qualitativo, deparando-se os juízes e tribunais com pretensões cuja concretização submetia-se, até então, à estrita discricionariedade do Legislativo ou do Executivo.

Conforme observa Antoine Garapon (GARAPON, 2001, p. 24), o controle crescente da justiça sobre a vida coletiva é “um dos maiores fatos políticos” do final do século XX, nada mais podendo escapar ao controle do juiz. Segundo o autor, as demandas políticas, desiludidas com um Estado inativo (Legislativo e Executivo), se voltam maciçamente para a justiça.

Assiste-se, exemplificativamente, à propositura de ações tendentes a: assegurar o recebimento de medicamentos ou o atendimento hospitalar; compelir escolas ou universidades à efetivação de matrícula; determinar a entidades públicas a realização de concurso tendente à contratação de servidores; entre outras. De igual modo, vê-se o aumento no número de demandas visando à proteção de interesses difusos e coletivos, bem como o incremento na efetivação do controle da constitucionalidade das leis pelo Judiciário, através do modelo difuso ou concentrado. Não se olvide, ainda, da interposição de ações por partidos políticos, com o escopo exclusivo de inserir o Judiciário em meio às disputas políticas subjacentes.

Se a democracia pressupõe, para que sua prática se efetive, um jogo dialético e infindável de tensões, é evidente que, em cenários como o brasileiro, o Judiciário receberá – como tem recebido – uma diversificada gama de conflitos que, expressando situações e valores de presença relativamente recente, correspondente à pressão do sistema sobre o aparelho judicial (CARVALHO, 1998, p. 163).

Segundo relata Zaffaroni, a incorporação dos direitos chamados “sociais” e suas contradições regionais, com a sequela de marginalização e exclusão, isto é, de disparidade gravíssima entre o discurso jurídico e a planificação econômica provoca também o aumento de demandas judiciais, com características próprias: o aumento da burocracia estatal (e sua pretendida redução por força de cortes orçamentários) e a produção legislativa impulsionada unicamente pelo clientelismo político provocam um maior protagonismo político dos juízes (ZAFFARONI, 1995, p. 23-24).

Exige-se, nesse passo, um Judiciário mais participativo, capaz de decidir conflitos de diversos matizes que surgem na sociedade (VERBICARO, 2008), com destaque para as questões de índole estritamente política, acima referenciadas. 

2. A IRRUPÇÃO DO ATIVISMO JUDICIAL 

A despeito do inevitável reconhecimento dos poderes do juiz, chegando-se a falar de um “Estado de Justiça”, de uma “ditadura dos juízes” ou de um “governo dos juízes”, a irrupção do ativismo judicial não deve ser entendida como uma transferência de soberania para os magistrados, mas, sobretudo, como uma transformação da própria democracia.

Zaffaroni apresenta-nos uma síntese das reações provocadas em face do protagonismo judiciário: “o austríaco René Marcic o saúda como um logro das democracias de pós-guerra, o alemão Forshoff o vislumbra apoliticamente, como um “Estado de justiça”, no qual o juiz decidirá livremente em que momento deva deixar de submeter-se à lei. Neste confuso argumento é também enquadrada a “ditadura dos juízes”, que é o estribilho mais ridículo e aberrante, porque é “a única ditadura que jamais existiu na história”. Efetivamente, o “gouvernment des juges” foi um argumento sempre usado por todos os políticos franceses para rechaçar o controle de constitucionalidade das leis, com o resultado de que a França possui hoje o sistema judiciário mais atrasado da Europa” (ZAFFARONI, 1995, p. 44).

Antoine Garapon (GARAPON, 2001, p. 39) realça que a grande popularidade dos juízes está diretamente relacionada ao fato de que foram confrontados com uma nova expectativa política, da qual se sagraram como heróis, e que encarnaram uma nova maneira de conceber a democracia. Para o autor, só podemos sair de uma “oposição dramatúrgica” entre a soberania popular e os juízes se concluirmos que a transformação do papel do juiz corresponde à transformação da própria democracia e as transformações da democracia contemporânea devem-se menos ao crescimento do desempenho efetivo do juiz do que à importância do lugar simbólico que ele vem conquistando, quer dizer, à própria possibilidade de sua intervenção.

A conclusão apresentada pelo autor ganha especial relevo se reconhecermos que, de fato, combate-se mais a “possibilidade” de intervenção judicial do que eventual controle efetivamente exercido. Muito se fala sobre a impossibilidade de o Judiciário interferir nas políticas públicas, sob pena de ensejar um grave dano às previsões orçamentárias e, paralelamente, à administração das finanças públicas; contudo, não podemos mencionar qualquer estudo que tenha analisado, de forma científica e estatística, o suposto impacto ou efeito nocivo concretamente gerado pelas decisões judiciais.

No próximo item será analisado o tema da judicialização da política, em que nos ocuparemos de conceituar a expressão, de realçar a admissão do ativismo judicial pelo ordenamento e de fazer especial referência às opiniões existentes quanto aos limites da intervenção pelo Judiciário. 

3. A JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA 

3.1. Conceito 

A judicialização da política caracteriza-se, especificamente, pela extensão da competência da justiça sobre as atribuições do Executivo, por sua atuação no controle da constitucionalidade das leis ou no reconhecimento da inconstitucionalidade por omissão e mesmo por sua convocação para mediar disputas políticas. Ocorre sempre que os juízes ou os tribunais, no desempenho regular de suas funções, afetam de modo significativo as condições da ação política.

Com efeito, a judicialização da política como fenômeno social nas sociedades contemporâneas passa a introduzir uma nova caracterização para os conflitos sociais, na medida em que transfere para o Judiciário a incumbência de resolver conflitos antes adstritos aos poderes institucional e democraticamente constituídos para tanto (VERBICARO, 2008).

Os magistrados, na concepção de João Paulo Dias, convertem-se em “árbitros das lutas políticas” (DIAS, 2004, p. 17). Estabelece-se, de fato, uma situação de indagação quanto ao papel institucional da justiça, a partir de um conflito entre uma política democrática calcada numa cidadania ativa e um Judiciário mais participativo nas questões políticas do Estado.

Este fenômeno implica um questionamento da justiça que põe em causa não só a sua funcionalidade, como também a sua credibilidade, ao atribuir-lhe desígnios que supostamente violam as regras da separação dos poderes dos órgãos de soberania.

Deve-se notar, porém, que a discussão sobre a judicialização da política não é recente. De acordo com José Alcebíades de Oliveira Júnior, a política e o direito são, desde sempre, duas faces de uma mesma moeda, que é o poder, sendo imprescindível que andem juntos, sob pena de imposição do absolutismo (OLIVEIRA JÚNIOR, 2008).

De certo modo, o trato político da questão é inerente à própria produção da norma jurídica. Por tal motivo, desde que se passou a admitir certo grau de subjetividade na atividade interpretativa, com o advento do fenômeno antipositivista, que trouxe meios legais de relativizar o comando contido na norma, reconhece-se – como função reservada ao juiz – um passo político, enquanto atividade de exercício de poder estatal (FRANCO, 1997, p. 245).

Trata-se de uma tendência das democracias contemporâneas, tendo como consectário a politização da justiça. Impõe-se, assim, a análise de sua admissão pelo ordenamento jurídico, bem como o exame acerca dos questionamentos quanto aos limites da intervenção.  

3.2. A Admissão da Intervenção Judicial pelo Sistema Democrático 

Entendemos que a atuação do Judiciário na entrega de bens e direitos constitucionalmente assegurados, sempre que convocado para tanto através de demandas tendentes à proteção de direitos individuais ou coletivos, é não apenas admitida pelo sistema democrático, como é a ele inerente. Com efeito, quando falamos em Estado Democrático de Direito, há uma imediata associação com a ideia de controle recíproco entre os poderes, afastando-se a possibilidade de autoritarismo ou qualquer forma de violação manifesta às garantias asseguradas.

Tais aspectos, associados à possibilidade de interpretação, pelo Judiciário, e à previsão expressa dos meios de controle da constitucionalidade das leis, denotam a plena conformidade entre a intervenção jurisdicional e o sistema jurídico incumbido de assegurá-la. Casos há, inclusive, em que a busca pelo Judiciário constitui o único meio de concretização de determinada garantia, de modo que, não sendo admitida a intervenção, o Texto Constitucional não sairia do plano das intenções, despido de qualquer efetividade prática.

Trata-se, em suma, do poder naturalmente encarregado de cumprir essa missão de concretizar, densificar e realizar praticamente as mensagens normativas da Constituição (GOMES, 1997, p. 467). O Judiciário, ao lado dos demais poderes do Estado, é tão responsável quanto os demais pela consecução dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (NALINI, 2008, p. 306).

Assim, inerente ao sistema democrático, existe uma complementaridade entre os poderes. Segundo o filósofo François Rigaux, o juiz, quanto mais se eleva na hierarquia judiciária, mais se aproxima do exercício de uma função quase legislativa. Assim, quando o juiz constitucional ou o juiz internacional assume a tarefa de deduzir das penumbras constitucionais um direito, uma liberdade que não é mencionada ali em termos explícitos ou então quando deve dirimir um conflito entre duas normas de igual categoria, ele supre o silêncio do legislador (RIGAUX, 2000, p. 323).

Inclusive, a ratio do controle exercido pelo Judiciário, longe de buscar a sedimentação de uma superioridade hierárquica no plano institucional ou a ingerência em seara inerente ao Executivo, é a de velar para que o exercício do poder mantenha uma relação de adequação com a ordem jurídica, substrato legitimador de sua existência.

Emerson Garcia ressalta não merecer acolhida a tese de uma possível supremacia do Judiciário em relação aos demais poderes. As suas vocações de mantenedor da paz institucional e de garantidor da preeminência do sistema jurídico assumem especial importância no Estado social moderno, no qual aumenta a importância do Estado em relação ao indivíduo, com a correlata dependência deste para com aquele, exigindo do Judiciário o controle dessa relação (GARCIA, 2005, p. 129).

A experiência jurídica revela-se, dessa maneira, como sendo concomitantemente uma forma de resolver conflitos entre indivíduos e um modo de se promover a sociabilidade no seio da comunidade (ARRUDA JR., 2002, p. 228).

Conforme advertência de Robert Alexy, é necessário compreender não só o Parlamento mas também o Tribunal Constitucional como representação do povo. Enquanto o Parlamento representa o cidadão politicamente, o Tribunal Constitucional o faz argumentativamente. Por outro lado, diante do risco de ocorrência de faltas graves no Parlamento, com a excessiva imposição das maiorias, um Tribunal Constitucional que se dirige contra tal não se dirige contra o povo, senão, em nome do povo, contra seus representantes políticos (ALEXY, 1999, p. 60).

É preciso, assim, reconhecer a dimensão política da função jurisdicional como algo que serve à própria democracia, sendo um dos seus atributos essenciais.

Observa Dallari que os juízes exercem atividade política em dois sentidos: por serem integrantes do aparato de poder do Estado, que é uma sociedade política, e por aplicarem normas de direito, que não necessariamente políticas (DALLARI, 2007, p. 89).

É justamente dentro desse contexto que se discute a possibilidade de os magistrados legitimarem-se socialmente pelo exercício de uma nova função ativa dentro da ordem instituída, enquanto autorizada e, de certa forma, exigida pelos legítimos interesses sociais postos em permanente conflito na era pós-moderna (MOREIRA, 2004, p. 91). 

3.3. O Grau de Intervenção Judicial 

Convém apresentar, neste ponto, dois eixos analíticos que enfrentam o tema da intervenção judicial, examinando a fronteira que se deve traçar entre o ativismo judicial e um exercício mais comedido do controle, e procuram estabelecer, em maior ou menor grau, limites à atuação do Judiciário, no que toca às atribuições normativamente reservadas aos demais poderes. 

3.3.1. Eixo Procedimentalista 

Tal vertente caracteriza-se pela ênfase nos processos democráticos de formação da vontade política. Em defesa de um Judiciário com poderes mais limitados em respeito aos processos democráticos, sustenta-se que os tribunais apresentam sérias dificuldades para atuar de forma a reconhecer e decidir acerca dos conflitos sociais, de forma que os canais políticos apresentam-se mais efetivos à necessidade de reformas sociais do que o Judiciário.

Partidário desta tese, o autor Cass R. Sunstein propõe um minimalismo judicial, apresentando três problemas de especial relevância: 1) no que pertine à democracia e à cidadania, entende que a dependência em relação às cortes reduz os canais democráticos de procura por mudanças, desviando energia e recursos da política e excluindo as conquistas alcançadas por parte dos próprios cidadãos, o que pode gerar prejuízos consideráveis à democracia; 2) quanto à eficácia, entende que as decisões judiciais são geralmente ineficazes em promover mudanças sociais, uma vez que, ainda quando exista a intervenção, não é possível associar qualquer alteração da sociedade ao provimento jurisdicional; e 3) haveria um foco limitado da adjudicação, uma vez que a proteção de determinados interesses poderia ser realizada em detrimento de outros, sendo apta a gerar desequilíbrio com os recursos destinados aos gastos sociais (SUNSTEIN, 1994, p. 142-145).

Assim, o autor defende que somente em raros casos as cortes deveriam interferir em políticas aprovadas por processos democráticos: 1) quando envolvidos direitos centrais para o processo democrático e cuja solução deva ser estranha à política (direito de voto e de expressão); 2) quando envolvidos grupos ou interesses que, pela natureza, são incompatíveis a uma justa deliberação em processos democráticos (proteção das minorias). 

3.3.2. Eixo Substancialista 

O enfoque do eixo substancialista consiste na defesa de um Judiciário mais participativo nas questões políticas do Estado. Parte-se da defesa de um Judiciário que atue ativamente em nome do respeito aos direitos dos cidadãos e da solidez dos princípios democráticos, figurando-se como guardião dos princípios e valores fundamentais da democracia e como importante instrumento de transformação social.

O Judiciário, sob tal aspecto, constitui um importante instrumento de participação das minorias no processo democrático, fornecendo-lhes representatividade. Assim, este contributo do Judiciário à democracia representativa denotaria o seu pleno enquadramento também como canal democrático, sem qualquer oposição aos demais poderes.

Como ressaltado por Andreas J. Krell (KRELL, 2002, p. 74), para os defensores do judicial ativism, o juiz deve assumir a nova missão de ser interventor e criador autônomo das soluções exigidas pelos fins e interesses sociais, tornando-se responsável pela conservação e promoção de interesses finalizados por objetivos sócio-econômicos, o que implicaria uma mutação fundamental que transforma o juiz em administrador e o convoca a operar como agente de mudança social. 

3.4. A Opinião de Ronald Dworkin 

O entendimento de Ronald Dworkin assemelha-se à posição do eixo substancialista. O autor vislumbra no Judiciário um importante veículo de participação das minorias na democracia, defendendo o ativismo judicial como algo necessário e imprescindível para a proteção dos direitos fundamentais. A legitimidade dos magistrados para tanto decorre, em sua concepção, da utilização dos argumentos de princípios, e não argumentos de política.

Em seu livro Uma Questão de Princípio, Dworkin questiona se é ofensivo para a democracia que questões políticas de princípio sejam decididas por tribunais e não por funcionários eleitos (DWORKIN (2), 2005, p. 25-26). Para o autor, o esclarecimento da questão depende do exame da suposta perda de poder político pelos cidadãos individuais, uma vez que – seja como for que se meçam perdas de poder político – alguns cidadãos ganham mais do que perdem.

Na medida em que os cidadãos passam a dispor da possibilidade de exigirem, como indivíduos, um julgamento específico acerca dos seus direitos, as minorias ganharão em poder político, sobretudo porque o acesso aos tribunais é efetivamente possível e porque as decisões dos tribunais sobre seus direitos são efetivamente fundamentadas.

Em idêntico sentido, Antoine Garapon aduz que é sob a forma do direito e do processo que o cidadão das democracias realiza sua ação política. A justiça torna-se um espaço de exigibilidade da democracia e oferece potencialmente a todos os cidadãos a capacidade de interpelar seus governantes, de tomá-los ao pé da letra e de intimá-los a respeitarem as promessas contidas na lei. Com essa forma mais direta de democracia, o cidadão-suplicante tem a impressão de melhor controlar sua representação (GARAPON, 2001, p. 49).

Para Dworkin nenhuma diretriz política nem objetivo social coletivo podem sobrepor-se a um autêntico direito individual – direito esse não apenas jurídico, mas também moral. Os direitos individuais adquirem, pois, relevância frente aos direitos coletivos. A justiça, nesse passo, é uma questão de direito individual, não, isoladamente, uma questão de bem público (DWORKIN (1), 2007. p. 39).

Visando à proteção dos direitos fundamentais dos cidadãos, de acordo com a perspectiva ora traçada, o papel ativo do Judiciário não é apenas admissível, como desejável, constituindo um veículo de “recuperação dos espaços de participação da comunidade” (APPIO, 2004, p. 139). 

4. CONCLUSÃO 

Procuramos, através do presente ensaio, traçar um panorama acerca dos fundamentos e das conseqüências do ativismo judicial. A intervenção judicial nos atos dos demais poderes constitui uma realidade do Estado Democrático, sendo inclusive necessária à sua manutenção. Impõe-se, de tal forma, centrar as atenções nos limites aos quais deve estar jungido o controle jurisdicional, a fim de que seja exercido com respeito ao Texto Constitucional e de forma consentânea com o ideal de preservação dos direitos fundamentais.

O Judiciário, por certo, deve estar adaptado às novas exigências sociais, o que confere especial relevância à difusão das reformas judiciais ao redor do mundo, com a preocupação efetiva com a renovação de sua estrutura e com a previsão de mecanismos de controle de sua atuação, no escopo de resguardar a sua credibilidade.

Exige-se do Judiciário a sua imposição como um verdadeiro poder, a partir de uma profunda alteração em sua estrutura e em sua dinâmica, para que tenha condições de fornecer à sociedade as respostas às suas pretensões.

Deve-se, assim, partir do abandono da oposição da justiça à democracia, compreendendo o exercício da intervenção judicial como um instrumento eficaz contra o autoritarismo, voltado, especificamente, à preservação das instituições democráticas e a assegurar o cumprimento dos valores encartados na Constituição, os quais, se despidos de mecanismos de efetivação, não passariam de abstrações intangíveis. 

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