segunda-feira, 25 de junho de 2012

ATIVISMO JUDICIAL E JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA


1. A EXPLOSÃO DA LITIGIOSIDADE 

Como um desdobramento da perda de credibilidade dos atores políticos, o Judiciário passa a ser visto como a instituição apta a funcionar como fiscalizadora dos demais poderes estatais. Tal constatação redundou em um crescimento acentuado no número de ações judiciais, ensejando a chamada “explosão da litigiosidade”, conforme expressão cunhada por Boaventura de Sousa Santos (SANTOS, 1989, p. 39).

Com uma previsão maior de garantias nas Constituições, associada à adoção de medidas tendentes à ampliação do acesso à justiça, ocorreu um despertar de consciência da sociedade em geral para a possibilidade de efetivação dos direitos com o ingresso de demandas no Judiciário.

Além disso, no que tange ao ordenamento jurídico brasileiro, algumas reformas procedimentais e a criação dos Juizados Especiais, no âmbito estadual e federal, ensejaram a “descoberta” do Judiciário por uma camada da população que, até então, dificilmente o visualizavam como meio viável à efetivação dos direitos, tanto pela onerosidade excessiva (caracterizada pelo pagamento de custas e honorários advocatícios, ou mesmo pelo deslocamento até os foros, muitas vezes situados apenas nas capitais dos Estados) quanto pelos aspectos relacionados à efetividade do serviço prestado (incalculável demora no processamento dos feitos, ausência de racionalidade na tramitação dos processos, bem como a dificuldade no cumprimento das sentenças, entre outros).

Contudo, Andrei Koerner adverte que o tema dos juizados especiais pode apresentar um resultado paradoxal, pois a mediação judicial dos conflitos é ampliada e, ao mesmo tempo, é limitada a efetividade das garantias constitucionais e o respeito às formas processuais, pois um conjunto maior de conflitos é solucionado por mecanismos informais (KOERNER, 2004, p. 79).

Houve, de todo modo, um crescimento não apenas numérico dos processos judiciais, mas também qualitativo, deparando-se os juízes e tribunais com pretensões cuja concretização submetia-se, até então, à estrita discricionariedade do Legislativo ou do Executivo.

Conforme observa Antoine Garapon (GARAPON, 2001, p. 24), o controle crescente da justiça sobre a vida coletiva é “um dos maiores fatos políticos” do final do século XX, nada mais podendo escapar ao controle do juiz. Segundo o autor, as demandas políticas, desiludidas com um Estado inativo (Legislativo e Executivo), se voltam maciçamente para a justiça.

Assiste-se, exemplificativamente, à propositura de ações tendentes a: assegurar o recebimento de medicamentos ou o atendimento hospitalar; compelir escolas ou universidades à efetivação de matrícula; determinar a entidades públicas a realização de concurso tendente à contratação de servidores; entre outras. De igual modo, vê-se o aumento no número de demandas visando à proteção de interesses difusos e coletivos, bem como o incremento na efetivação do controle da constitucionalidade das leis pelo Judiciário, através do modelo difuso ou concentrado. Não se olvide, ainda, da interposição de ações por partidos políticos, com o escopo exclusivo de inserir o Judiciário em meio às disputas políticas subjacentes.

Se a democracia pressupõe, para que sua prática se efetive, um jogo dialético e infindável de tensões, é evidente que, em cenários como o brasileiro, o Judiciário receberá – como tem recebido – uma diversificada gama de conflitos que, expressando situações e valores de presença relativamente recente, correspondente à pressão do sistema sobre o aparelho judicial (CARVALHO, 1998, p. 163).

Segundo relata Zaffaroni, a incorporação dos direitos chamados “sociais” e suas contradições regionais, com a sequela de marginalização e exclusão, isto é, de disparidade gravíssima entre o discurso jurídico e a planificação econômica provoca também o aumento de demandas judiciais, com características próprias: o aumento da burocracia estatal (e sua pretendida redução por força de cortes orçamentários) e a produção legislativa impulsionada unicamente pelo clientelismo político provocam um maior protagonismo político dos juízes (ZAFFARONI, 1995, p. 23-24).

Exige-se, nesse passo, um Judiciário mais participativo, capaz de decidir conflitos de diversos matizes que surgem na sociedade (VERBICARO, 2008), com destaque para as questões de índole estritamente política, acima referenciadas. 

2. A IRRUPÇÃO DO ATIVISMO JUDICIAL 

A despeito do inevitável reconhecimento dos poderes do juiz, chegando-se a falar de um “Estado de Justiça”, de uma “ditadura dos juízes” ou de um “governo dos juízes”, a irrupção do ativismo judicial não deve ser entendida como uma transferência de soberania para os magistrados, mas, sobretudo, como uma transformação da própria democracia.

Zaffaroni apresenta-nos uma síntese das reações provocadas em face do protagonismo judiciário: “o austríaco René Marcic o saúda como um logro das democracias de pós-guerra, o alemão Forshoff o vislumbra apoliticamente, como um “Estado de justiça”, no qual o juiz decidirá livremente em que momento deva deixar de submeter-se à lei. Neste confuso argumento é também enquadrada a “ditadura dos juízes”, que é o estribilho mais ridículo e aberrante, porque é “a única ditadura que jamais existiu na história”. Efetivamente, o “gouvernment des juges” foi um argumento sempre usado por todos os políticos franceses para rechaçar o controle de constitucionalidade das leis, com o resultado de que a França possui hoje o sistema judiciário mais atrasado da Europa” (ZAFFARONI, 1995, p. 44).

Antoine Garapon (GARAPON, 2001, p. 39) realça que a grande popularidade dos juízes está diretamente relacionada ao fato de que foram confrontados com uma nova expectativa política, da qual se sagraram como heróis, e que encarnaram uma nova maneira de conceber a democracia. Para o autor, só podemos sair de uma “oposição dramatúrgica” entre a soberania popular e os juízes se concluirmos que a transformação do papel do juiz corresponde à transformação da própria democracia e as transformações da democracia contemporânea devem-se menos ao crescimento do desempenho efetivo do juiz do que à importância do lugar simbólico que ele vem conquistando, quer dizer, à própria possibilidade de sua intervenção.

A conclusão apresentada pelo autor ganha especial relevo se reconhecermos que, de fato, combate-se mais a “possibilidade” de intervenção judicial do que eventual controle efetivamente exercido. Muito se fala sobre a impossibilidade de o Judiciário interferir nas políticas públicas, sob pena de ensejar um grave dano às previsões orçamentárias e, paralelamente, à administração das finanças públicas; contudo, não podemos mencionar qualquer estudo que tenha analisado, de forma científica e estatística, o suposto impacto ou efeito nocivo concretamente gerado pelas decisões judiciais.

No próximo item será analisado o tema da judicialização da política, em que nos ocuparemos de conceituar a expressão, de realçar a admissão do ativismo judicial pelo ordenamento e de fazer especial referência às opiniões existentes quanto aos limites da intervenção pelo Judiciário. 

3. A JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA 

3.1. Conceito 

A judicialização da política caracteriza-se, especificamente, pela extensão da competência da justiça sobre as atribuições do Executivo, por sua atuação no controle da constitucionalidade das leis ou no reconhecimento da inconstitucionalidade por omissão e mesmo por sua convocação para mediar disputas políticas. Ocorre sempre que os juízes ou os tribunais, no desempenho regular de suas funções, afetam de modo significativo as condições da ação política.

Com efeito, a judicialização da política como fenômeno social nas sociedades contemporâneas passa a introduzir uma nova caracterização para os conflitos sociais, na medida em que transfere para o Judiciário a incumbência de resolver conflitos antes adstritos aos poderes institucional e democraticamente constituídos para tanto (VERBICARO, 2008).

Os magistrados, na concepção de João Paulo Dias, convertem-se em “árbitros das lutas políticas” (DIAS, 2004, p. 17). Estabelece-se, de fato, uma situação de indagação quanto ao papel institucional da justiça, a partir de um conflito entre uma política democrática calcada numa cidadania ativa e um Judiciário mais participativo nas questões políticas do Estado.

Este fenômeno implica um questionamento da justiça que põe em causa não só a sua funcionalidade, como também a sua credibilidade, ao atribuir-lhe desígnios que supostamente violam as regras da separação dos poderes dos órgãos de soberania.

Deve-se notar, porém, que a discussão sobre a judicialização da política não é recente. De acordo com José Alcebíades de Oliveira Júnior, a política e o direito são, desde sempre, duas faces de uma mesma moeda, que é o poder, sendo imprescindível que andem juntos, sob pena de imposição do absolutismo (OLIVEIRA JÚNIOR, 2008).

De certo modo, o trato político da questão é inerente à própria produção da norma jurídica. Por tal motivo, desde que se passou a admitir certo grau de subjetividade na atividade interpretativa, com o advento do fenômeno antipositivista, que trouxe meios legais de relativizar o comando contido na norma, reconhece-se – como função reservada ao juiz – um passo político, enquanto atividade de exercício de poder estatal (FRANCO, 1997, p. 245).

Trata-se de uma tendência das democracias contemporâneas, tendo como consectário a politização da justiça. Impõe-se, assim, a análise de sua admissão pelo ordenamento jurídico, bem como o exame acerca dos questionamentos quanto aos limites da intervenção.  

3.2. A Admissão da Intervenção Judicial pelo Sistema Democrático 

Entendemos que a atuação do Judiciário na entrega de bens e direitos constitucionalmente assegurados, sempre que convocado para tanto através de demandas tendentes à proteção de direitos individuais ou coletivos, é não apenas admitida pelo sistema democrático, como é a ele inerente. Com efeito, quando falamos em Estado Democrático de Direito, há uma imediata associação com a ideia de controle recíproco entre os poderes, afastando-se a possibilidade de autoritarismo ou qualquer forma de violação manifesta às garantias asseguradas.

Tais aspectos, associados à possibilidade de interpretação, pelo Judiciário, e à previsão expressa dos meios de controle da constitucionalidade das leis, denotam a plena conformidade entre a intervenção jurisdicional e o sistema jurídico incumbido de assegurá-la. Casos há, inclusive, em que a busca pelo Judiciário constitui o único meio de concretização de determinada garantia, de modo que, não sendo admitida a intervenção, o Texto Constitucional não sairia do plano das intenções, despido de qualquer efetividade prática.

Trata-se, em suma, do poder naturalmente encarregado de cumprir essa missão de concretizar, densificar e realizar praticamente as mensagens normativas da Constituição (GOMES, 1997, p. 467). O Judiciário, ao lado dos demais poderes do Estado, é tão responsável quanto os demais pela consecução dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (NALINI, 2008, p. 306).

Assim, inerente ao sistema democrático, existe uma complementaridade entre os poderes. Segundo o filósofo François Rigaux, o juiz, quanto mais se eleva na hierarquia judiciária, mais se aproxima do exercício de uma função quase legislativa. Assim, quando o juiz constitucional ou o juiz internacional assume a tarefa de deduzir das penumbras constitucionais um direito, uma liberdade que não é mencionada ali em termos explícitos ou então quando deve dirimir um conflito entre duas normas de igual categoria, ele supre o silêncio do legislador (RIGAUX, 2000, p. 323).

Inclusive, a ratio do controle exercido pelo Judiciário, longe de buscar a sedimentação de uma superioridade hierárquica no plano institucional ou a ingerência em seara inerente ao Executivo, é a de velar para que o exercício do poder mantenha uma relação de adequação com a ordem jurídica, substrato legitimador de sua existência.

Emerson Garcia ressalta não merecer acolhida a tese de uma possível supremacia do Judiciário em relação aos demais poderes. As suas vocações de mantenedor da paz institucional e de garantidor da preeminência do sistema jurídico assumem especial importância no Estado social moderno, no qual aumenta a importância do Estado em relação ao indivíduo, com a correlata dependência deste para com aquele, exigindo do Judiciário o controle dessa relação (GARCIA, 2005, p. 129).

A experiência jurídica revela-se, dessa maneira, como sendo concomitantemente uma forma de resolver conflitos entre indivíduos e um modo de se promover a sociabilidade no seio da comunidade (ARRUDA JR., 2002, p. 228).

Conforme advertência de Robert Alexy, é necessário compreender não só o Parlamento mas também o Tribunal Constitucional como representação do povo. Enquanto o Parlamento representa o cidadão politicamente, o Tribunal Constitucional o faz argumentativamente. Por outro lado, diante do risco de ocorrência de faltas graves no Parlamento, com a excessiva imposição das maiorias, um Tribunal Constitucional que se dirige contra tal não se dirige contra o povo, senão, em nome do povo, contra seus representantes políticos (ALEXY, 1999, p. 60).

É preciso, assim, reconhecer a dimensão política da função jurisdicional como algo que serve à própria democracia, sendo um dos seus atributos essenciais.

Observa Dallari que os juízes exercem atividade política em dois sentidos: por serem integrantes do aparato de poder do Estado, que é uma sociedade política, e por aplicarem normas de direito, que não necessariamente políticas (DALLARI, 2007, p. 89).

É justamente dentro desse contexto que se discute a possibilidade de os magistrados legitimarem-se socialmente pelo exercício de uma nova função ativa dentro da ordem instituída, enquanto autorizada e, de certa forma, exigida pelos legítimos interesses sociais postos em permanente conflito na era pós-moderna (MOREIRA, 2004, p. 91). 

3.3. O Grau de Intervenção Judicial 

Convém apresentar, neste ponto, dois eixos analíticos que enfrentam o tema da intervenção judicial, examinando a fronteira que se deve traçar entre o ativismo judicial e um exercício mais comedido do controle, e procuram estabelecer, em maior ou menor grau, limites à atuação do Judiciário, no que toca às atribuições normativamente reservadas aos demais poderes. 

3.3.1. Eixo Procedimentalista 

Tal vertente caracteriza-se pela ênfase nos processos democráticos de formação da vontade política. Em defesa de um Judiciário com poderes mais limitados em respeito aos processos democráticos, sustenta-se que os tribunais apresentam sérias dificuldades para atuar de forma a reconhecer e decidir acerca dos conflitos sociais, de forma que os canais políticos apresentam-se mais efetivos à necessidade de reformas sociais do que o Judiciário.

Partidário desta tese, o autor Cass R. Sunstein propõe um minimalismo judicial, apresentando três problemas de especial relevância: 1) no que pertine à democracia e à cidadania, entende que a dependência em relação às cortes reduz os canais democráticos de procura por mudanças, desviando energia e recursos da política e excluindo as conquistas alcançadas por parte dos próprios cidadãos, o que pode gerar prejuízos consideráveis à democracia; 2) quanto à eficácia, entende que as decisões judiciais são geralmente ineficazes em promover mudanças sociais, uma vez que, ainda quando exista a intervenção, não é possível associar qualquer alteração da sociedade ao provimento jurisdicional; e 3) haveria um foco limitado da adjudicação, uma vez que a proteção de determinados interesses poderia ser realizada em detrimento de outros, sendo apta a gerar desequilíbrio com os recursos destinados aos gastos sociais (SUNSTEIN, 1994, p. 142-145).

Assim, o autor defende que somente em raros casos as cortes deveriam interferir em políticas aprovadas por processos democráticos: 1) quando envolvidos direitos centrais para o processo democrático e cuja solução deva ser estranha à política (direito de voto e de expressão); 2) quando envolvidos grupos ou interesses que, pela natureza, são incompatíveis a uma justa deliberação em processos democráticos (proteção das minorias). 

3.3.2. Eixo Substancialista 

O enfoque do eixo substancialista consiste na defesa de um Judiciário mais participativo nas questões políticas do Estado. Parte-se da defesa de um Judiciário que atue ativamente em nome do respeito aos direitos dos cidadãos e da solidez dos princípios democráticos, figurando-se como guardião dos princípios e valores fundamentais da democracia e como importante instrumento de transformação social.

O Judiciário, sob tal aspecto, constitui um importante instrumento de participação das minorias no processo democrático, fornecendo-lhes representatividade. Assim, este contributo do Judiciário à democracia representativa denotaria o seu pleno enquadramento também como canal democrático, sem qualquer oposição aos demais poderes.

Como ressaltado por Andreas J. Krell (KRELL, 2002, p. 74), para os defensores do judicial ativism, o juiz deve assumir a nova missão de ser interventor e criador autônomo das soluções exigidas pelos fins e interesses sociais, tornando-se responsável pela conservação e promoção de interesses finalizados por objetivos sócio-econômicos, o que implicaria uma mutação fundamental que transforma o juiz em administrador e o convoca a operar como agente de mudança social. 

3.4. A Opinião de Ronald Dworkin 

O entendimento de Ronald Dworkin assemelha-se à posição do eixo substancialista. O autor vislumbra no Judiciário um importante veículo de participação das minorias na democracia, defendendo o ativismo judicial como algo necessário e imprescindível para a proteção dos direitos fundamentais. A legitimidade dos magistrados para tanto decorre, em sua concepção, da utilização dos argumentos de princípios, e não argumentos de política.

Em seu livro Uma Questão de Princípio, Dworkin questiona se é ofensivo para a democracia que questões políticas de princípio sejam decididas por tribunais e não por funcionários eleitos (DWORKIN (2), 2005, p. 25-26). Para o autor, o esclarecimento da questão depende do exame da suposta perda de poder político pelos cidadãos individuais, uma vez que – seja como for que se meçam perdas de poder político – alguns cidadãos ganham mais do que perdem.

Na medida em que os cidadãos passam a dispor da possibilidade de exigirem, como indivíduos, um julgamento específico acerca dos seus direitos, as minorias ganharão em poder político, sobretudo porque o acesso aos tribunais é efetivamente possível e porque as decisões dos tribunais sobre seus direitos são efetivamente fundamentadas.

Em idêntico sentido, Antoine Garapon aduz que é sob a forma do direito e do processo que o cidadão das democracias realiza sua ação política. A justiça torna-se um espaço de exigibilidade da democracia e oferece potencialmente a todos os cidadãos a capacidade de interpelar seus governantes, de tomá-los ao pé da letra e de intimá-los a respeitarem as promessas contidas na lei. Com essa forma mais direta de democracia, o cidadão-suplicante tem a impressão de melhor controlar sua representação (GARAPON, 2001, p. 49).

Para Dworkin nenhuma diretriz política nem objetivo social coletivo podem sobrepor-se a um autêntico direito individual – direito esse não apenas jurídico, mas também moral. Os direitos individuais adquirem, pois, relevância frente aos direitos coletivos. A justiça, nesse passo, é uma questão de direito individual, não, isoladamente, uma questão de bem público (DWORKIN (1), 2007. p. 39).

Visando à proteção dos direitos fundamentais dos cidadãos, de acordo com a perspectiva ora traçada, o papel ativo do Judiciário não é apenas admissível, como desejável, constituindo um veículo de “recuperação dos espaços de participação da comunidade” (APPIO, 2004, p. 139). 

4. CONCLUSÃO 

Procuramos, através do presente ensaio, traçar um panorama acerca dos fundamentos e das conseqüências do ativismo judicial. A intervenção judicial nos atos dos demais poderes constitui uma realidade do Estado Democrático, sendo inclusive necessária à sua manutenção. Impõe-se, de tal forma, centrar as atenções nos limites aos quais deve estar jungido o controle jurisdicional, a fim de que seja exercido com respeito ao Texto Constitucional e de forma consentânea com o ideal de preservação dos direitos fundamentais.

O Judiciário, por certo, deve estar adaptado às novas exigências sociais, o que confere especial relevância à difusão das reformas judiciais ao redor do mundo, com a preocupação efetiva com a renovação de sua estrutura e com a previsão de mecanismos de controle de sua atuação, no escopo de resguardar a sua credibilidade.

Exige-se do Judiciário a sua imposição como um verdadeiro poder, a partir de uma profunda alteração em sua estrutura e em sua dinâmica, para que tenha condições de fornecer à sociedade as respostas às suas pretensões.

Deve-se, assim, partir do abandono da oposição da justiça à democracia, compreendendo o exercício da intervenção judicial como um instrumento eficaz contra o autoritarismo, voltado, especificamente, à preservação das instituições democráticas e a assegurar o cumprimento dos valores encartados na Constituição, os quais, se despidos de mecanismos de efetivação, não passariam de abstrações intangíveis. 

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Um comentário:

  1. Texto muito bom sobre a judicialização da política, está de parabéns. Gostaria de trocar algumas ideias com você. Inclusive, fiquei com algumas dúvidas...

    Como por exemplo a intervenção judicial na Política configura uma forma de ativismo ?

    Dada a nossa Constituição ser analítica, os problemas políticos entram na seara do judiciário, o que faz ocorrer a judicialização da política. Necessariamente, neste estágio há o problema da interpretação, pois se há um redimensionamento do papel do Judiciário na democracia, como não se preocupar com afirmações como estas: "o alemão Forshoff o vislumbra apoliticamente, como um “Estado de justiça”, no qual o juiz decidirá livremente em que momento deva deixar de submeter-se à lei".

    Que a ditadura do Judiciário é uma falácia não resta dúvida, todavia o nível de discricionariedade sem limites na interpretação que se realiza para decidir um caso perpassa qualquer critério de decidibilidade comum. Para Kelsen, em sua teoria pura, a interpretação autêntica, era um ato de vontade, político em seu dizer. Mas se a interpretação for o que o intérprete abalizado e dotado de poder diz que é, como no Judiciário. Estamos entrando em uma pergunta incômoda: Direito é o que os Tribunais dizem que é?

    Se a pergunta for sim, estamos diante do Realismo Jurídico, se a resposta for não precisamos saber em que estágio estamos encarando a intepretação antes ou depois da virada heideggeriana e de Wittgenstein.


    E, talvez, essa seja a grande questão de Dworkin, como evitar dois pesos e duas medidas diante de casos concretos semelhantes e evitar o realismo jurídico. Que os juízes interpretam a lei, a Constituição e etc não há problema algum, o problema está "como eles interpretam"? O que lembra muito a hipótese estética de Dworkin.

    E aí eu fico com a seguinte pergunta?

    “É a interpretação um ato de vontade do intérprete ou o resultado de um projeto compreensivo no interior do qual se opera constantes suspensões de pré-juízos que constitui a perseguição do melhor sentido para a interpretação?” Clarissa Tassinari, 2013 (Jurisdição e Ativismo Judicial -livraria do advogado).

    Se a resposta for um ato de vontade estaremos falhando com o Direito, pois:

    Se o Direito, enquanto estrutura discursiva, não forjou uma tradição para dizer o que cada um desses institutos significa, então fracassamos. Sim, fracassamos pela simples razão de que o direito e seus institutos são, melancolicamente, aquilo que cada julgador diz (e sente) que é.
    http://www.conjur.com.br/2014-mar-06/senso-incomum-sempre-ainda-dura-face-ativismo-terrae-brasilis

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